Fórum Mulher: por um Moçambique melhor para mulheres e meninas

Já conhece o trabalho do Fórum Mulher, nossa organização membro de Moçambique? Entrevistamos Nzira de Deus, diretora executiva da organização, que falou sobre a história do Fórum Mulher, suas principais áreas de trabalho e as estratégias que adotam para enfrentar os desafios. Para mais informações, acesse o site da instituição.

Você pode nos contar brevemente a história da organização?

O Fórum Mulher é uma rede feminista constituída em 1993 com cerca de 100 organizações-membro com representação em todas as províncias de Moçambique através de núcleos provinciais, organizações locais e de base comunitária. A rede visa promover a igualdade de gênero e os direitos humanos das mulheres em Moçambique. Ela articula-se e coordena-se a partir de uma perspectiva feminista, com o papel de mediadora entre sociedade civil e Estado nas relações com as políticas governamentais e no fortalecimento das organizações que lutam pelos direitos das mulheres.

Nosso compromisso é lutar por transformações de princípios e práticas socioculturais que inferiorizam as mulheres, enfrentando as relações de poder hierárquicas entre mulheres e homens na luta pelo respeito aos direitos humanos e pela melhoria da posição da mulher na sociedade. O movimento respeita e valoriza a diversidade cultural e étnica, político e religiosa.

O Fórum Mulher tem como visão uma sociedade mais justa e solidária, que reconhece os valores do feminismo, a igualdade de direitos e oportunidades entre as pessoas de sexos diferentes e os direitos humanos das mulheres em todas as dimensões.  Nossa missão é contribuir para consolidar uma rede de organizações que, juntamente com parceiros estratégicos nacionais e internacionais, induzam mudanças estruturais de tipo cultural, econômico, político e social necessárias para o alcance da igualdade de direitos e de oportunidades para as mulheres de Moçambique.

Ao longo desses anos, o Fórum Mulher teve as suas ações focadas em Informação, Lobby e Incidência Política, com maior foco em disseminação de informação sobre Direitos Humanos das mulheres, divulgação de legislação e políticas públicas e campanhas para influenciar mudanças positivas nas Leis e Políticas Públicas e reformas institucionais. Também temos forte atuação em Capacitação Institucional, com enfoque nas ações de formação sobre gênero e direitos humanos, integrando temas como Violência Baseada em Gênero, Direitos Sexuais e Reprodutivos, Gênero e HIV/SIDA, Liderança e Desenvolvimento Institucional com foco no fortalecimento das organizações e associações de mulheres.

O Fórum Mulher é composto por uma assembleia de 93 membros que se reúnem em Assembleia Geral, ordinariamente uma vez por ano e extraordinariamente sempre que se julgar necessário. O Conselho de Direção congrega três membros eleitos que se reúnem ordinariamente quatro vezes ao ano e é responsável pela gestão da instituição, devendo informar à Assembleia Geral sobre o desempenho e a situação da organização. O Conselho Fiscal congrega quatro membros eleitos, com a responsabilidade de fiscalizar todas as ações da organização. O Comité de Conselheiros é um órgão consultivo, composto por todos os membros considerados pessoas de referência e que tenham desempenhado funções de direção nos órgãos do Fórum Mulher.

Quais são as principais linhas de trabalho da organização?

O Fórum Mulher tem 3 pilares estratégicos:

1. Direitos Humanos das Mulheres, que é composto pelas seguintes subáreas temáticas:

a) Violência baseada no gênero, com enfoque nas violências contra as mulheres e meninas, feminicídio, violência pública, violência sexual e de estado. O Fórum Mulher coordenou a incidência política para aprovação da Lei de Violência Doméstica Contra as Mulheres em 2009, depois de 15 anos de ações de sensibilização e diálogo com o governo e parlamento. Mais recentemente, em 2019, conseguiu avançar com a aprovação da Lei das Uniões Prematuras, que visa condenar a união forçada de meninas menores de 18 anos com adultos, uma prática machista presente na sociedade moçambicana.

b) Direitos económicos e trabalhistas. Neste tema o Fórum Mulher tem focado nas mulheres rurais e camponesas, lutando pelos direitos delas à terra e aos recursos naturais, além de contribuir com a luta das mulheres por trabalho e maternidade dignas. Nossa influência contribuiu, por exemplo, para que durante a revisão da Lei de Trabalho se ampliasse a licença maternidade de 60 dias para 90 dias. Atualmente o Fórum Mulher tem estado envolvido na revisão da Lei de Terras, além de fortalecer  o Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais. Como parte da luta por direitos econômicos temos realizado ações de fortalecimento de práticas alternativas de agricultura ecologicamente sustentável, como a agroecologia, através de campos de experimentação e conservação de sementes nativas.  

c) Direitos sexuais e reprodutivos e saúde da mulher. Buscamos desconstruir a institucionalização do controle do corpo das mulheres através de normas sociais e culturas religiosas que perpetuam a discriminação no acesso aos seus direitos e aos serviços básicos de saúde e no exercício pleno dos seus direitos sexuais e reprodutivos. Nesse sentido, temos denunciado o discurso patriarcal em relação à sexualidade feminina, que instrumentaliza o prazer das mulheres, alimentando a violência sexual contra elas. Nesse tema conseguimos incidir politicamente em 2019 para a despenalização do aborto em Moçambique, além de atuar na campanha de correção de fistulas obstétricas e promover formações sobre direitos sexuais e reprodutivos para jovens.

d) Liderança e Participação Política das Mulheres. Temos lutado para elevar a voz das mulheres na sua luta cotidiana por direitos humanos, para que se percebam como sujeitas políticas e de direito e atuem nas tomadas de decisão nos diferentes espaços existentes nas suas comunidades. Em paralelo, lutamos também para garantir a participação formal das mulheres nos diferentes espaços de tomada de decisão, para que se tornem agentes ativas da política e sejam impulsionadoras do desenvolvimento nacional. Buscamos uma participação não apenas numérica, mas com consciência da luta que está sendo travada.

2. Estrutura da rede e formação do Movimento. Este pilar compreende ações visando a reestruturação e organização da rede-movimento Fórum Mulher, a coordenação das intervenções coletivas, a produção de conhecimento, a troca de experiências entre os membros, os debates temáticos e a produção e publicação regular de lições aprendidas entre os membros da rede e partilhadas com organizações nacionais e internacionais.

3. Fortalecimento institucional. Neste terceiro pilar temos realizado ações de formação política feminista com a “Escola Feminista Fórum Mulher”, voltada para elevação da consciência política e ampliação dos horizontes das mulheres em geral e das/os membras/os da organização. Buscamos promover uma harmonização entre discurso e prática em todas as ações de proteção dos direitos das mulheres e meninas através do reforço da nossa identidade feminista e anticapitalista. Promovemos formação técnica voltada para dotar nossos membros de conhecimentos e ferramentas para aumentar sua capacidade de ação e a qualidade da sua intervenção nos diferentes temas, bem como nossas possibilidades de impacto.

Quais os principais desafios enfrentados pelo Fórum Mulher e como resistem e se organizam?

Um dos maiores desafios que temos enfrentado nos últimos tempos tem sido a repressão política às organizações e defensoras que trabalham na área dos direitos humanos, além da dificuldade de responder à crise climática e humanitária sem recursos e capacidade técnica para tal. Outro grande desafio é a redução dos fundos para as organizações nacionais que atuam na defesa dos direitos humanos, em particular das mulheres. Infelizmente isso tem impactado negativamente a sustentabilidade dos ganhos alcançados e a capacidade institucional de responder ao contexto difícil em que nos encontramos.

Para ultrapassar esses desafios temos buscado realizar ações combinadas de empoderamento econômico para sustentabilidade, como a formação das mulheres em atividades de geração de renda através de uma incubadora feminista de negócios, práticas de agroecologia urbanas e rurais e oferta de formações sobre gênero e feminismos a instituições que o solicitam. Em paralelo, continuamos a responder aos editais que nos chegam, tentando melhorar a nossa capacidade de mobilização de fundos.

Além disso, nossa campanha “Terra: minha vida, meu futuro” busca fortalecer a voz das mulheres rurais no conhecimento de seus direitos e incentivá-las a participarem ativamente nos espaços de tomada de decisão. Por meio dessa iniciativa, as mulheres podem reivindicar seus direitos ao controle da terra no âmbito familiar, comunitário e nacional, além de enfrentar desafios como a usurpação de terras por grandes empresas e a privatização dos recursos naturais coletivos.

Em Moçambique, 80% das mulheres trabalham na terra, mas apenas 20% possuem um título formal de propriedade. Por isso, um dos principais focos da campanha é o reconhecimento dos direitos das mulheres à terra. Essa falta de reconhecimento formal também nos motiva a fortalecer a auto-organização das mulheres e promover sua participação nos espaços de discussão de políticas públicas.

Para as mulheres rurais, a terra não é apenas um meio de produção alimentar, mas também parte essencial de suas vidas, representando uma conexão profunda e cultural. Contudo, elas enfrentam barreiras a nível institucional e também dentro do ambiente familiar. Por questões culturais e sociais, o sistema machista muitas vezes nega o direito das mulheres à posse da terra.

Assim, a campanha se manifesta em diversos níveis — do familiar e privado ao comunitário e nacional. Entre os resultados concretos já obtidos estão o aumento no registro de terras em nome de mulheres, a ampliação de suas vozes em discussões políticas, a criação de iniciativas como o Fórum das Mulheres Rurais e o registro de diversas associações de mulheres. Ela também está conectada a movimentos mais amplos, como a Campanha do Kilimanjaro, na qual mulheres foram ao topo da montanha mais alta de África para reivindicar seus direitos à terra.

Como a Plataforma Feminista pela Terra e Territórios contribui com esse trabalho?

A Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP) é um espaço que nos permite como rede feminista aprender com as companheiras de outros territórios, encontrar solidariedade e ampliar a nossa voz como rede global. Compreendemos que a luta que travamos não e só nossa, mas também de várias outras mulheres, e nos somamos para enfrentar juntas as forças capitalistas e machistas que tentam retirar os nossos direitos. Com a FLP podemos chegar a espaços que talvez não alcançássemos sozinhas.

Um grande ganho da participação na Plataforma é a oportunidade de fortalecer a nossa conexão como região africana e participar juntas de espaços de discussão e tomada de decisão como a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Nesses mecanismos temos a possibilidade de partilhar nossa visão como movimento de base e influenciar políticas regionais que afetam o quotidiano das mulheres.

Além disso, nunca tínhamos tido a oportunidade de documentar a nossa caminhada na luta pelos direitos das mulheres à terra e a construção do Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais. Com a FLP pudemos analisar o nosso percurso e nosso processo organizativo, de mobilização e intervenção. Documentar nossa história nos ajuda a valorizar o que é nosso e defender com vigor as nossas terras e nossos territórios.  Pudemos ver nossa capacidade de liderança e de trabalho coletivo e como este impacta a nível nacional, regional e internacional.

Outro ponto importante foi que durante o processo da revisão da Política Nacional de Terras, a FLP apoiou-nos a fazer a análise da proposta de política a partir de perspectivas feministas, partilhando os fundamentos que deviam nortear a nossa análise com base nas experiências de organizações-membro como o Espaço Feminista (Brasil). Sentimo-nos bastante apoiadas pela rede, pois precisávamos de uma luz e da experiência de outros países. Partilhar a língua portuguesa com as companheiras brasileiras fez toda diferença para nós, pois facilitou a compreensão dos termos e das reflexões.  O processo de revisão da Lei de Terras ainda não terminou e queremos continuar a contar com o apoio das companheiras para resistir à tentativa de privatização das terras e à redução das oportunidades das mulheres de terem o direito à terra e ao território. 

Gostaríamos de continuar com as formações em agroecologia e as incubadoras feministas associadas a hortas agroecológicas e documentar a nossa caminhada.  Precisamos continuar a organizar-nos, mobilizar-nos e colocar as nossas demandas em espaços de diálogo político para partilhar as nossas demandas. Contamos com esta rede feminista para continuar a aprender com as nossas companheiras e seguirmos juntas inspirando as lutas campesinas em defesa da vida e da mãe terra.

Seguimos marchando pela nossa terra, nossa vida e nossos territórios.  A luta continua.