As boas práticas de resiliência da Azul (Marrocos)

“Aplicativo para mapear casos de espoliação” é uma prática desenvolvida por Meriem Bentarjem e pela Dra. Soraya El Kahlaoui, cofundadora do projeto Traab, em parceria com a organização Azul (Marrocos), uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP).

A Azul trabalha para devolver aos Amazigh (povos indígenas do Marrocos e do Norte da África) o estatuto de cidadãos plenos, já que atualmente lhes falta poder de decisão e soberania sobre seus patrimônios materiais e imateriais.

A missão da organização é sensibilizar e mobilizar a população para melhor enfrentar os problemas relacionados com a terra, os recursos naturais, as desigualdades socioeconômicas, a destruição dos ecossistemas e as suas consequências para os indivíduos e as comunidades.

Nós da FLP mapeamos algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre esta que é uma das práticas inspiradoras desenvolvidas no Marrocos pela AZUL.

Este texto faz parte de uma série de artigos que detalham as melhores práticas de cada organização da FLP. Veja os outros no nosso blog!

Aplicativo para mapear casos de espoliação

Esta prática começou em abril de 2022 e está sendo desenvolvida em todo o território marroquino e em algumas regiões da Tunísia onde há problemas de espoliação e expropriações.

Ela beneficiará os povos Amazigh no Marrocos e todas as comunidades vítimas de expropriação de terras. As mulheres rurais, chamadas de Soulaliyates, representam uma parte considerável dos titulares de direitos de terras coletivas.

A região do Marrocos e do Norte de África foi colonizada majoritariamente pela França, que implementou leis que continuam sendo aplicadas pelos governos para desapropriar os povos indígenas das suas terras, territórios e recursos naturais.

Durante séculos, os Amazigh desenvolveram diversas práticas essencialmente relacionadas com a terra (agricultura), os territórios (pecuária e transumância) e os recursos naturais. Suas atividades dependem fundamentalmente das especificidades e disponibilidade de recursos e de um cuidado com a adaptação e proteção dos ecossistemas e da biodiversidade.

A localização espacial do povo Amazigh condiciona seu modo de vida e sua cultura e lhes confere sua identidade ancestral. Despojar as pessoas Amazigh das suas terras equivale a afastá-las do seu território e forçá-las a migrar para outros lugares. Tirar delas os direitos aos seus recursos os mantém na precariedade, sem melhores possibilidades. Isso as coloca em condições vulneráveis e os torna facilmente assimiláveis.

Comunidades indígenas nas zonas rurais são grandes alvos da privatização das suas terras e recursos. Além disso, as comunidades urbanas marginalizadas localizadas em bairros degradados e áreas periurbanas também estão sujeitas a procedimentos de despejo.

“A proliferação de atos fraudulentos e atividades ilegais é tão grande que a chamada ‘Máfia da Terra’ está presente de forma desenfreada em todas as regiões do Marrocos, com o objetivo de monopolizar as terras em detrimento dos seus legítimos proprietários. Essa pilhagem encontra terreno fértil na legislação, na impunidade, nos jogos de poder, na fragilidade das comunidades, na ineficiência dos tribunais, na conivência dos magistrados e nas políticas agrícolas. Isso significa que a lei e a justiça já não têm lugar, especialmente em questões de terra, seja para as comunidades, seja para as mulheres, o último elo de uma cadeia enfraquecida”, explica Amina Amharech, uma das fundadoras da Azul.

Segundo ela, a principal dificuldade hoje reside na ausência de um banco de dados que relacione todos os casos de desapropriação efetiva para estabelecer um mapeamento exaustivo da extensão do problema – o que motivou a criação do projeto que relatamos aqui.

Como funciona o projeto

O projeto tem o objetivo de reunir informações sobre conflitos de terras para identificar as comunidades afetadas, traçar um mapeamento abrangente da questão e ajudar a ampliar as vozes dessas comunidades.

Através da prática de “contra mapeamento”, pretende-se identificar os conflitos fundiários no Norte da África, e principalmente no Marrocos e na Tunísia, criando uma plataforma web de código aberto que combina mapeamento interativo e narração de histórias. O projeto também inclui o desenvolvimento de um aplicativo para oferecer uma ferramenta de coleta de dados de código aberto.

Ele possui dois componentes:

• Mapeamento de conflitos de terras: Espera-se que cerca de 50 comunidades se beneficiem com a visibilidade das suas reivindicações através da plataforma web.

• Aplicativo: Membros da rede comunitária Amazigh da Azul serão treinados para utilizar o aplicativo para obter dados sobre conflitos fundiários.

A organização ressalta que será dada especial atenção à questão das mulheres, que são o grupo social mais impactado em qualquer processo de discriminação e marginalização, e particularmente em termos de acesso à propriedade e à terra.

Mulheres raramente recebem compensação em caso de transferência de terras e muitas vezes ficam sem oferta de realojamento e são excluídas das negociações. O projeto garantirá que a questão da equidade de gênero esteja representada no mapeamento dos conflitos fundiários e se centrará numa abordagem de gênero para desenvolver alternativas.

Graças ao aplicativo, a uma base de dados confiável e a um mapeamento preciso, as vozes das mulheres terão seu alcance ampliado e o impacto da negação dos seus direitos será mais visível. Esse é um passo essencial para mudar as leis e apoiar de forma eficaz as reivindicações das mulheres a diferentes níveis, beneficiando também toda a rede da FLP.

Vale observar que os resultados desse projeto também irão fortalecer outras práticas da Azul, como a incidência internacional em defesa do reconhecimento dos direitos de Amazighs como povos indígenas e o apelo a uma revisão das leis fundiárias.

A oportunidade de desenvolver uma segunda fase do projeto permitirá à Azul capacitar comunidades para usarem o aplicativo de coleta de dados. Para isso serão organizadas oficinas de formação com diferentes comunidades, priorizando-se a formação de pesquisadoras mulheres.

Nesta iniciativa a Azul colabora com a Dra. Soraya El Kahlaoui (bolsista Marie Skłodowska-Curie), investigadora principal do projeto Traab, e seus parceiros no projeto, incluindo a Universidade de Ghent.

Para saber mais sobre os problemas enfrentados pelo povo Amazigh, leia este artigo de Amina Amharech no site da IWGIA (em inglês).

As boas práticas de resiliência do Espaço Feminista (Brasil)

“A regularização fundiária como garantia dos direitos das mulheres à terra e território” é uma das melhores práticas de resiliência desenvolvidas pela organização Espaço Feminista do Nordeste para a Democracia e Direitos Humanos (Brasil), uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra (FLP).

Fundado em 2008, o Espaço Feminista atua em áreas como:

  • Produção de conhecimento sobre a situação da mulher, realizando diversos estudos, pesquisas e publicações.
  • Processos de formação voltados para a valorização das mulheres como sujeitos autônomos (cidadãs), e que fomentam a participação delas em espaços de formulação e monitoramento de políticas públicas.
  • Articulação, incidência política e advocacy nacional e internacional

A FLP mapeou algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras organizações possam aprender com elas e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre uma das práticas inspiradoras desenvolvidas no Brasil pelo Espaço Feminista (EF).

Este artigo faz parte de uma série de publicações que detalham as melhores práticas de cada organização que compõe a FLP. Confira nosso blog para ler os outros!

Regularização fundiária como garantia dos direitos das mulheres à terra e território

Essa prática é desenvolvida atualmente no município de Bonito, no estado de Pernambuco (Brasil), em 15 assentamentos informais que foram criados pela prefeitura, mas nunca regularizados.

Através desse trabalho, o Espaço Feminista pretende abordar a desigualdade de direitos à terra e à moradia para mulheres, famílias de baixa renda e mães solo. Para isso, a organização olha para os direitos à terra e à moradia a partir da perspectiva dos direitos fundiários das mulheres.

“Estamos analisando todas as consequências perversas que a falta de direitos à terra e à moradia causam na vida e nos meios de subsistência das mulheres, em termos de insegurança e violência”, explica Patrícia Chaves, diretora executiva do Espaço Feminista.

Trabalhando em parceria com a prefeitura do município de Bonito, o EF visa garantir a segurança fundiária de cerca de 5 mil famílias nos 15 assentamentos informais. Esse trabalho inclui cadastro socioeconômico de todas as famílias residentes nos assentamentos, levantamento topográfico com identificação de cada imóvel, levantamento da infraestrutura dos assentamentos e entrevistas individuais para coleta de dados e documentação.

O Espaço Feminista capacita a equipe técnica do programa “Minha Casa é Legal” da Prefeitura de Bonito sobre aspectos jurídicos, especialmente sobre como garantir que a prioridade seja dada às mulheres. Além disso, redige o projeto que posteriormente é enviado ao cartório. A ação conta ainda com uma equipe local que desenvolve oficinas de sensibilização com os moradores, tirando dúvidas e orientando-os para garantir a preferência no momento da titulação.

Até o momento, 4 das 15 áreas foram concluídas e os levantamentos estão sendo feitos em outras 5 áreas.

Essa prática revela-se eficaz para garantir autonomia, segurança fundiária e moradia às mulheres e às suas famílias, especialmente aquelas que sofrem de maior vulnerabilidade porque têm um conhecimento muito limitado sobre seus direitos ou mantêm relações informais com seus parceiros. Muitas são as segundas esposas e estão vulneráveis ao mercado informal de venda de lotes.

A ação também promove a autonomia e o empoderamento das mulheres em diversos níveis, tais como a autonomia ao decidir sobre sua moradia, garantia de segurança para as próximas gerações e o potencial de gerar autonomia financeira com a segurança da terra no nome delas.

“Esse documento é uma benção. Eu pensava que minha casa nunca ia ter documento. E hoje estou com ele na mão, graças a Deus!”, disse a beneficiária Maria Madalena da Silva no vídeo abaixo, feito pelo Espaço Feminista:

“Nosso trabalho é uma forma de superar as injustiças que as mulheres enfrentam devido à informalidade e suas consequências, como transações informais sem seu conhecimento ou consentimento. Além das questões de violência patrimonial embutidas em nossa cultura patriarcal e muito presentes na vida das mulheres de baixa renda que vivem em total informalidade”, acrescenta Patrícia Chaves.

Alguns dos resultados obtidos até agora:

  • Em 11 de março de 2021 foi cadastrada a primeira área com 479 propriedades (terreno e casa) e foram entregues certidões aos moradores, sendo 69% em nome de mulheres, seja em títulos individuais ou conjuntos.
  • No dia 11 de março de 2022 foi entregue a segunda área, dessa vez beneficiando 150 famílias. 50% foram para mulheres como cadastro individual e outros 35% eram títulos conjuntos (mulher e homem), mas destes, 69% tinham o nome da mulher como primeira titular.
  • A terceira área, chamada Frei Damião, foi concluída em novembro de 2022, beneficiando diretamente 741 famílias. Mais de 70% dos títulos de terra tinham mulheres como beneficiárias. Nesta área o número de mães solteiras era muito elevado, e o EF está desenvolvendo uma análise dos resultados e criando condições para fazer uma avaliação de impacto.
  • A quarta área, Ben-ti-vi, foi concluída. Os títulos de terras serão entregues a 280 famílias, a maioria mulheres.

A prática está estruturada, muito bem documentada e divulgada e oferece uma série de possibilidades de avaliação futura sobre o impacto direto na vida das mulheres e das suas famílias, especialmente mulheres que em muitos casos cuidam dos netos para permitir que suas filhas trabalhem.

Para mais informações sobre essa prática, assista ao vídeo no canal da Cadasta no YouTube:

Como parceiros desta prática, o Espaço Feminista conta com a Prefeitura Municipal de Bonito; Procurador Geral do Município de Bonito; Cartório de Registro de Imóveis de Bonito; e o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. O trabalho é apoiado pelo Fundo Filantrópico WellSpring, Landesa e Fundação Cadasta.

Para mais informações, leia também o artigo em inglês Transforming our cities by addressing gender deficit in land titles in Brazil, publicado por Patrícia Chaves no site Urbanet.

Tin Hinan participa do 1º Festival Feminista em Burkina Faso

Desde 2015, a Burkina Faso enfrenta a violência de grupos terroristas, que entre outros graves problemas causa muitos deslocamentos internos. As crianças e as mulheres são as populações mais afetadas, sofrendo inúmeras violações de direitos e violência sexual e de gênero.

A Resolução 1325 (2000) do Conselho de Segurança da ONU enfatiza a importância de atender às necessidades de mulheres e meninas vítimas de violência, garantindo a participação das mulheres nos processos de tomada de decisão, especialmente em áreas de risco ou afetadas por conflitos, além de se empoderar mulheres e meninas e promover igualdade de gênero para alcançar a paz duradoura. No entanto, isso não se verifica na prática na Burkina Faso.

Por isso, a Iniciativa Pananetugri para o Bem-estar da Mulher (IPBF), em colaboração com o Coletivo das Feministas da Burkina Faso, organizou em março deste ano a 1ª edição do Festival Feminista, com o tema “Feminismo, Paz e Segurança”. Lideranças de associações e pesquisadoras foram convidadas a falar sobre a situação do país.

Entre elas esteve presente Saoudata Aboubacrine, da associação Tin Hinan, membro da Plataforma Feminista pela Terra (FLP). Saoudata partilhou as suas experiências e fez um apelo aos tomadores de decisão, tanto a nível nacional quanto internacional, para que apliquem os textos que adotam, como a resolução da ONU citada acima.

Ela também se dirigiu a meninas e mulheres, exortando-as a continuar promovendo momentos de compartilhamento de experiências, trocas intergeracionais e discussões. “(…) Enquanto as mulheres não têm voz, nada pode mudar, e para ter voz, precisamos de movimentos ativos, que não sejam só nomes”, afirmou.

A participação de Saoudata nesse importante evento foi tema de um artigo publicado no site Féminin Actu. Leia o texto na íntegra (em francês) aqui.

As boas práticas de resiliência da Plataforma Feminista pela Terra

Há uma diversidade de práticas que mostram a riqueza do trabalho realizado pelas organizações que compõem a Plataforma Feminista pela Terra (Feminist Land Platform – FLP), uma rede de organizações que lutam pelos direitos das mulheres à terra e territórios no Sul Global.

Decidimos mapear essas práticas para ter uma visão mais ampla do trabalho feito em cada território e permitir que outras comunidades aprendam com essas experiências e adaptem ferramentas e estratégias às suas realidades locais.

As práticas de resiliência mapeadas focam em quatro áreas temáticas:

a) Direitos das mulheres às terras e territórios (ferramentas e processos bem-sucedidos);

b) Formação política para a liderança feminina;

c) Agroecologia e gestão florestal, fundiária e territorial;

d) Acesso seguro à água.

Abaixo você encontrará uma representação visual das áreas temáticas presentes no trabalho de cada organização, e em seguida mais informações sobre cada uma das áreas temáticas e uma lista de algumas das práticas adotadas por elas.

Áreas temáticas

Agroecologia

A agroecologia tem sido aplicada de diversas formas e tem se mostrado uma forte aliada na gestão de florestas, terras e territórios. Por exemplo, as práticas agroecológicas e a preservação da riqueza das sementes contribuem com a soberania sobre alimentos e sementes para as mulheres proprietárias de terras e sem-terra. Além disso, hortas urbanas para autoconsumo reduzem a insegurança alimentar em que as pessoas se encontram como resultado da perda de seus meios de subsistência. O desenvolvimento e manutenção de hortas urbanas responde a várias necessidades contemporâneas: fortalecimento comunitário, melhoria paisagística, habitabilidade urbana, lazer, educação ambiental, aproveitamento de águas pluviais, melhoria da economia e autonomia alimentar. Projetos de agroecologia são realizados por Fundación Plurales, Espaço Feminista, Luna Creciente, MUDECI, TIN HINAN e UBINIG.

Direito à terra e territórios

As mulheres lutam pelo acesso a seus direitos à terra e territórios usando uma variedade de estratégias, buscando garantir sua capacidade de continuar lutando e contribuindo para as comunidades onde escolheram viver. Essas ferramentas e processos bem-sucedidos envolvem o acesso a direitos legais e o desenvolvimento de políticas públicas sensíveis à cultura e ao gênero e consoantes com a relevância dos processos históricos de resistência. As iniciativas incluem o uso da tecnologia para coletar dados que comprovem há quanto tempo as mulheres ocupam suas terras e moradias e casos de desapropriação, além de compilar dados que contribuam para fortalecer a segurança e a autonomia das mulheres em seus territórios. Esta área temática foi implementada por cinco organizações da FLP na América Latina (Fundación Plurales, Espaço Feminista) e África (Fórum Mulher, AZUL e PWESCR).

Adaptação climática

A mudança climática tornou-se uma grande ameaça para a humanidade. Como resultado, desastres naturais, secas e escassez de recursos naturais tornaram-se comuns em todo o mundo. Embora tenha afetado todos os países, a mudança climática teve maior impacto sobre os mais pobres e vulneráveis. “As consequências da mudança climática incluem, entre outras, secas intensas, escassez de água, incêndios graves, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade” (Nações Unidas). Iniciativas focadas no acesso seguro à água para lidar com a mudança climática foram realizadas pela Fundación Plurales, Luna Creciente e TIN HINAN.

Incidência política

Se considerarmos que toda escolha é um ato político, a consciência política é uma ferramenta essencial para transformar o mundo. A formação política é uma das principais formas de promover discussões e entendimentos sobre as diferenças visando a equidade. Quando direcionada à a promoção da autonomia e empoderamento das mulheres em diferentes aspectos e níveis, torna-se um dos pilares dos processos de emancipação dos feminismos. A formação política para iniciativas de liderança feminina tem sido realizada por Fundación Plurales, Espaço Feminista, Luna Creciente, Fórum Mulher e PWESCR.

Governança

Esta área temática é muitas vezes derivada do treinamento político para mulheres líderes. Permite visibilidade e perspectiva política, desde os contextos gerais aos particulares nas comunidades. Visa ações para enfrentar as violações cometidas por atores que contribuem direta ou indiretamente para a crise climática e os danos aos territórios e corpos das mulheres. Assim, as estratégias mais eficazes para promover essa governança passam pelo desenvolvimento de agendas comuns de ação que influenciem diretamente a capacidade das mulheres para ocuparem cargos de poder. Isso permite que elas tomem decisões informadas que tenham impactos positivos em seu direito à terra e ao território, além de aumentar sua capacidade de lidar com as ameaças enfrentadas como resultado das mudanças climáticas. A participação política das mulheres – por meio da liderança que exercem em suas comunidades e na relação que estabelecem com o poder público – é fundamental para garantir a governança do território comunal. As organizações da FLP que trabalham nessa questão incluem Espaço Feminista, Luna Creciente, TIN HINAN e PWESCR.

Boas práticas de resiliência

País: Mali

Organização: TIN HINAN MALI

Responsável: Fadimata Walet ABDALAH.

Prática: Participação das mulheres de Banguikogho no manejo de sua área florestal.

País: Marrocos

Organização: AZUL

Responsável: Amina AMHARECH

Prática: Aplicativo para coletar casos de espoliação.

País: Tanzânia

Organização: Conselho Pastoral da Mulher Tanzânia

Responsável: Ruth Kihiu

Prática: Promovendo os direitos à terra das mulheres indígenas do norte da Tanzânia.

País: Argentina

Organização: Fundación Plurales

Responsável: Marta Esber

Práticas:

• Capacitação na Intersecção de Justiça Ambiental e Gênero

• Acesso a Água Segura

• Reflorestação e práticas produtivas com a alfarrobeira

• Programa Mulheres Defensoras Ambientais

País: Brasil

Organização: Espaço Feminista do Nordeste para Democracia e Direitos Humanos

Responsável: Anamaria Melo e Natali Lacerda

Práticas:

• Inclusão produtiva de base agroecológica – Fortalecimento da autonomia e identidade da mulher rural: agroecologia, soberania alimentar e rede de mulheres produtoras.

• Formação política feminista e antirracista – fortalecimento da identidade e autonomia das mulheres por meio de processos formativos e fortalecimento de redes.

• Regularização fundiária como garantia do direito das mulheres à terra – Fortalecimento da segurança e autonomia individual e coletiva das mulheres.

País: Equador

Organização: Movimiento Nacional de Mujeres Luna Creciente

Responsável: Clara Merino

Prática: Capacitação política para organizações de mulheres no Equador

País: México

Organização: Mujeres, Democracia y Ciudadanía A.C. (MUDECI)

Responsável: Elsa María Arroyo Hernández

Prática: Centro de Treinamento em Agricultura Urbana

País: Bangladesh

Organização: UBINIG

Responsável: Farida Akhter

Prática: práticas agroecológicas Nayakrishi e preservação da riqueza de sementes

As melhores práticas de resiliência de Luna Creciente (Equador)

“Formação política para organizações de mulheres no Equador” é uma das melhores práticas de resiliência desenvolvidas pela organização Movimento Nacional de Mulheres Luna Creciente, do Equador, uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP, da sigla em inglês).

O trabalho da Luna Creciente tem sido extremamente relevante ao capacitar mulheres líderes em conhecimentos políticos, mecanismos e ferramentas para conduzir processos que contribuam com o desenvolvimento local com base em sua própria cultura e objetivos.

“Luna Creciente reúne mais de 300 organizações de mulheres de setores populares, com grande diversidade de idade, nacionalidade e localização geográfica, abrangendo todas as regiões do Equador”, afirma Clara Merino, diretora executiva da organização.

A FLP mapeou algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações membro para que outras organizações possam aprender com essas experiências e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Este artigo faz parte de uma série de textos que detalham as práticas de cada organização. Leia os outros aqui no nosso blog!

Capacitação política para organizações de mulheres no Equador

Agindo em prol da incidência política nos municípios, esta prática foi concebida por Luna Creciente para incluir atividades que estimulem o intercâmbio de conhecimentos, valores culturais e tradições entre os vários grupos de organizações de mulheres nela envolvidos.

Cerca de 4.500 mulheres de 322 comunidades em 6 províncias de diferentes partes do Equador (costa, serra e região amazônica) já foram beneficiárias desta prática, iniciada em junho de 2001.

As atividades realizadas pela Luna Creciente incluem:

● Escolas nacionais e locais de formação política e feminista, saúde integral, direitos da mulher e análise de conjuntura.

● Mapeamento abrangente de cada província e/ou comunidades lideradas por mulheres de base.

● Congressos Nacionais uma vez ao ano (quando tinham maiores recursos econômicos, eram realizados até 3 vezes ao ano e em diferentes províncias).

● Espaços para análise dos ODS, mudanças climáticas e conjuntura local, nacional e internacional.

● Pequenos empreendimentos econômicos e permutas.

● Defesa dos direitos das mulheres à terra junto com os homens, principalmente os jovens, já tendo formado três grupos de defesa da terra e apoio a organizações de mulheres.

Esta foi considerada uma boa prática que serve de inspiração para outras organizações membro da FLP e organizações de direitos das mulheres em geral porque permitiu o crescimento do movimento Luna Creciente e ajudou a capacitar as mulheres, aumentar o respeito por suas famílias e comunidades e promover uma maior conscientização sobre os direitos das mulheres e das comunidades empobrecidas.

A prática é desenvolvida fundamentalmente em comunidades indígenas (68% indígenas, 7% quilombolas e 25% mestiças) formadas por mulheres organizadas. A valorização e o respeito às diversas culturas e tradições e sua participação em um movimento nacional tem sido fundamental para o processo.

“A nossa Escola de Formação Política Feminista tem promovido, ao longo de todos estes anos, a confluência, compreensão e trabalho político organizado de mulheres de diferentes organizações que lutam por terras e territórios, contemplando também os nossos corpos como primeiro território”, explica Clara Merino.

Para o desenvolvimento das ações, Luna Creciente contou com a parceria da Coalizão Nacional de Mulheres do Equador e da Plataforma Plurinacional de Mulheres e Feministas, além do Movimento Indígena, Movimento de Trabalhadores, mídia alternativa e outras organizações feministas.

Entre os resultados do trabalho, Luna Creciente apontou a afirmação de propostas e exigibilidade de direitos aos governos locais e em articulação com outras organizações a alguns espaços do Governo, Assembleia Nacional e Estado.

Na atual situação política do Equador, se vive um aumento do extrativismo, das leis contra as mulheres e povos empobrecidos e de diversos tipos de violência. Por isso, ações como essas são de extrema importância na luta por uma sociedade justa e igualitária.

As melhores práticas de resiliência de Tin Hinan (Mali)

A Plataforma Feminista pela Terra mapeou algumas das melhores práticas de resiliência de nossas organizações membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar as ferramentas e estratégias às suas realidades locais.

Este artigo faz parte de uma série de publicações que detalham as práticas de cada organização. Confira nosso blog para ler as outras!

Título da prática: Participação das mulheres de Banguikogho no manejo da sua área florestal.

As mulheres da comunidade Kel Tin Touhoun, de Banguikogho, iniciam a implementação do seu direito sobre a gestão do território e em particular da área florestal e dos direitos das mulheres em geral (propriedade intelectual e repartição de benefícios).

Localização: Banguikogho, que fica a 17 km do círculo de Gargando (capital da comuna) de Goundal, na região de Timbuktu. A tribo está localizada em um vale entre a pequena montanha turística Tin houn imalolnenene (as voltas brancas) e uma área florestal de Grewia tenax, Grewia.

Beneficiárias da prática: Estima-se em cerca de 1.000 pessoas, de acordo com a prefeitura de Gargandao e a administração local de Banguikogho. As mulheres representam 50% da população, ou seja, 500 pessoas, incluindo jovens. Elas são pastoras nômades, praticando horticultura comercial durante os períodos de inverno, coleta e caça tradicional.

Data de início: A comunidade começou a se organizar para sua sobrevivência e proteção dos ambientes onde vivem por volta de 1999.

Comunidades envolvidas: Toda a região de Timbuktu e em particular a área onde fica Banguikogho estão passando por secas recorrentes que destroem a biodiversidade, incluindo árvores, plantas e animais. Os pontos de água estão secando. A comunidade começou lutando pela água. Elas não tinham acesso à assistência humanitária de agências da ONU ou instituições governamentais. O apoio limitado fornecido pela Living Earth e Tin Hinan/FIMI não foi capaz de resolver esse problema definitivamente. Em 2011, um grupo de mulheres e jovens de Banguikogho foi formado para aprimorar seu papel na gestão do seu ambiente e espaço florestal. No início, as mulheres, apesar do papel tradicional que desempenhavam na proteção da biodiversidade e do meio ambiente, permaneceram invisíveis e sem voz.

Parceiros ou aliados para a iniciação e desenvolvimento da prática: Tin Hinan e Les Eaux et Forêts. O FIMI foi parceiro na implementação do projeto Conhecimentos Tradicionais.

Descrição da prática: Os principais aspectos a serem lembrados em relação às melhores práticas do local e das mulheres de Banguikogho estão focados na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, por meio do conhecimento tradicional das mulheres pastoris e da adaptação às mudanças climáticas.

Resultados:

  • Treinamento de 30 pessoas em Gargando/Banguikogho, (Timbuktu, Mali), sendo 15 adultos e 15 jovens, em técnicas de produção vegetal e manutenção de jardins botânicos;
  • Treinamento de 20 pessoas na técnica de colheita e processamento dos produtos de árvores frutíferas Tarakate e In-fine em Banguikogho.
  • Treinamento de 30 pessoas em marketing, incluindo embalagem, rotulagem e aprovação de produtos.
  • Participação na elaboração de um compêndio sobre conhecimentos tradicionais.
  • Participação no workshop nacional organizado em Timbuktu sobre processos internacionais para a implementação do acordo da Convenção sobre Diversidade Biológica, WIPO (um no Mali e outro na Burkina Faso). Vale ressaltar que esta foi a 1ª vez em que mulheres e jovens desta comunidade participaram num evento fora de Banguikogho.
  • Participação no workshop sub-regional de intercâmbio e formação que serviu simultaneamente para a revitalização da rede de mulheres indígenas da África Ocidental (OAFA).
  • As realizações do projeto foram capitalizadas por Banguikogho, porque as atividades iniciadas continuam a ser realizadas. Tin Hinan continua a colaborar com o local.
  • A visibilidade das ações aconteceu através de um vídeo e fotos. As mulheres de Banguikogho são beneficiárias do projeto “Pastoral das Mulheres do Sahel em Movimento”, implementado por Tin Hinan.
  • As mulheres de Banguikogho são, portanto, membros do Movimento Pastoral Feminino do Sahel.

Desafios: Superar a insegurança devido à presença de grupos fanáticos nas proximidades da comuna. As secas e o problema da água persistem.

Chamado à ação: Plataforma Feminista pela Terra

No dia 7 de março de 2023, a Plataforma Feminista pela Terra (FLP) organizou a Mesa Redonda Feminista pela Terra no segundo dia da 67° Sessão da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW67) em coordenação com a Oxfam Internacional e apoio da Fundação Ford, intitulada “Expansão dos direitos das mulheres à terra e território para garantir a sustentabilidade ambiental e condições de vida digna”. Trinta e uma mulheres da América Latina, Norte de África, África, Europa e Estados Unidos, representantes de mulheres e feministas de diversos setores com vozes e análises plurais, participaram do evento em resposta à necessidade de ampliar o tamanho e a qualidade de estratégias de resistência e mudança, através da construção de uma rede de organizações que trabalham pelos direitos das mulheres à terra e ao meio ambiente.

Em resposta a esta convocação da FLP para formar alianças para ocupar espaços estratégicos em todos os níveis através do engajamento de organizações e lideranças na participação ativa em processos de tomada de decisões que afetam a vidas das mulheres em seus direitos pela terra, concordamos com os seguintes pontos:

  • Posicionamento de um movimento não-partidário focado na resistência contra- hegemônica, decolonial e anti-opressiva para desafiar as desigualdades de gênero no acesso à terra e recursos naturais. Portanto, todas as ações direcionam-se a combater o racismo estrutural em todas as suas facetas, manifestado através de elementos como raça, gênero, classe, casta, religião, cultura, preferência sexual, entre outros.
  • Oposição a ataques contra a democracia e a criminalização dos movimentos sociais que ameaçam instituições democráticas, os direitos humanos e os direitos de defensores e defensoras como evidenciado pela diminuição de espaços democráticos através do abuso de forças militares ou policiais frequentemente legitimadas por normas e regras instituídas.
  • Rejeição a todas as formas de violência política e de Estado e abusos através de violações aos direitos humanos que afetam majoritariamente as mulheres e crianças em todas as áreas de suas vidas – saúde, educação, moradia, terra, meios de sustentabilidade, condições de vida digna etc.
  • Rejeição a militarização e imposição de políticas globais que atuam contra a resistência e rebelião de populações empobrecidas em seu direito legitimo de protestar.
  • Apoio e contribuição para o aumento na produção de conhecimento, através de experiencias locais, no confronto aos fundamentalismos de um sistema neoliberal e extrativista, governos autoritários e grupos neofacistas que colocam a democracia em risco corroborando com a crescente onda de retrocesso nos direitos fundamentais para as mulheres e pessoas LGBTQI+, testemunhados cotidianamente em vários aspectos da vida como religião, cultura e educação.
  • Atuação catalizadora – através de mensagens, declarações, informações, campanhas lideradas por organizações locais desafiando a disseminação de notícias falsas e promovendo a defesa dos direitos de mulheres pela terra em diferentes níveis – local, regional e global.
  • Aprofundamento de análises regionais e consenso na defesa da democracia unindo organizações feministas de mulheres independente de partidarismos políticos.
  • Defesa do Acordo de Escazú, sobretudo em relação à soberania alimentar e defesa de terra e territórios.
  • Solidariedade com outras mulheres e grupos feministas, organizações e movimentos sociais para o fortalecimento de uma agenda política para as mulheres em suas lutas nos territórios pelo direito à terra.

Chamado à ação

Através de um chamado à ação de nosso posicionamento coletivo por uma verdadeira agenda interseccional transformadora de gênero para todos os movimentos de direitos das mulheres à terra e ao território e aos nossos apoiadores, concordamos com a necessidade de implementar e defender urgentemente as seguintes pautas:

  • Conduzir processos de formação para mulheres jovens em feminismo político decolonial.
  • Garantir que mulheres de base, que se encontram na vanguarda da luta pelos direitos à terra e ao meio ambiente, sejam escutadas nos aspectos que mais necessitam apoio de outros setores para ajudar na defesa de seu território.
  • Fortalecer os movimentos como uma ponte importante para que as organizações de base se posicionem e aprendam sobre diversas experiencias ao redor do mundo.
  • Considerar, em todos os processos de análise e incidência, as estruturas geopolíticas e econômicas opressivas que exploram todos os povos e territórios do sul global, especialmente as mulheres.
  • Promover a troca de estratégias de como, enquanto mulheres, viemos construindo para a defesa de nosso território a níveis local e regional.
  • Planejar novas estratégias de incidência para além das fronteiras para ampliar e fortalecer nossas vozes.
  • Trabalhar globalmente para posicionar práticas e atitudes transformadores capazes de criar uma agenda coletiva.
  • Educar os homens para que aprendam e percebam os seus privilégios entendendo que os corpos das mulheres pertencem somente a elas e que os homens devem respeitar e valorizar isso.
  • Trabalhar coletivamente através de plataformas que fomentem a solidariedade e apoiem outras mulheres que não podem expressar a sua voz devido a sistemas opressivos.
  • Criar informação e conhecimento locais que sirvam de base para a defesa dos direitos, sabendo que as instituições internacionais precisam ter acesso a este tipo de informação.
  • Insistir que os doadores obtenham informações qualificadas através de mulheres e organizações de base, compreendendo e respeitando o seu trabalho e necessidades de acordo com as suas realidades especificas. O apoio de doadores deve responder às necessidades especificas destas mulheres, fortalecer o trabalho delas a nível local e em contextos diversos, possibilitar que elas realizem incidência política diretamente e reivindiquem seus direitos a nível internacional.
  • Realizar pesquisas que identificam as causas profundas previamente e compreender como elas são estruturais.

Considerando os atuais desafios globais que ameaçam as democracias, o meio ambiente, grupos em situação de exclusão, a paz global e a própria vida na terra, e levando ao centro da discussão o nosso posicionamento e a necessidade de colocar em ação as prioridades assinaladas acima para alcançar transformações, exigimos a inclusão, a participação, o fim de todo tipo de violência e apoio aos nossos movimentos a nível comunitário para que possamos desenvolver as nossas formações, trocar experiências entre os nossos movimentos e seguir aprendendo umas com as outras.

Por fim, fazemos um apelo a todo o público presente na CSW67 para que unam as suas forças pela luta por justiça de gênero e pelo direito das mulheres à terra e ao território, que também ampliem as suas vozes e as análises das lutas das mulheres de diversos grupos, criando alianças para promover mudanças que desafiem práticas opressivas e normas sociais em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas.