Azul: defendendo os direitos do povo Amazigh internacionalmente

Você já conhece o trabalho da Azul, nossa organização membro do Marrocos? Entrevistamos uma de suas fundadoras, Amina Amharech, que compartilhou conosco a história da organização, suas principais áreas de trabalho e estratégias que adotam para enfrentar os desafios. Para mais informações sobre a Azul, leia também nosso artigo sobre algumas das boas práticas de resiliência da instituição.

Você pode nos contar brevemente a história da Azul?

Em 2012 eu e alguns amigos éramos membros de um grupo do Facebook dedicado à poesia Amazigh, que é um elemento essencial da nossa cultura ancestral. A poesia é para nós um meio de nos expressarmos e descrevermos nossa vida, nossas condições socioeconômicas e nossa visão de mundo. Infelizmente, sempre que tentávamos debater um tema e analisar os textos para compreender seus contextos, o administrador do grupo do Facebook dizia: “Não diga isso, é político”.

Havia muita censura, então em 2013 decidimos sair desse grupo e criar um outro no qual cada pessoa Amazigh pudesse vir, compartilhar, debater, dizer o que pensa da situação atual e contar suas histórias, além de histórias das suas comunidades e famílias e das tribos.

A partir desse momento, começamos realmente a analisar a situação, as condições, os fatos históricos e os fenômenos socioeconômicos que nos afetam. Também passamos a falar sobre por que nós do povo Amazigh nos sentíamos mal com nós mesmos, por que havia tanta discriminação, pobreza e exclusão socioeconômica para os Amazigh vivendo nas montanhas e no campo.

Falamos também sobre a colonização e o que o Protetorado sobre o Marrocos trouxe em termos de organização administrativa e de mudança de legislação, ignorando as leis Amazigh, e sobre como fomos gradualmente despossuídos das nossas terras através das leis estrangeiras.

Levantamos então a questão da nossa responsabilidade, ou seja, como nós, Amazigh, deveríamos reagir e o que poderíamos fazer contra essa exclusão e discriminação. Realizamos, no grupo, campanhas de solidariedade a comunidades que estivessem passando por dificuldades e campanhas pela resistência de saberes ancestrais, entre outras ações em que cada pessoa ajudava como podia.

Em 2016, fui a Genebra para participar do Mecanismo de Peritos das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP, na sigla em inglês) e fiz declarações sobre a situação dos Amazigh em Marrocos tal como a entendemos no grupo de forma coletiva.

Chegamos à conclusão de que as leis nacionais não poderiam proteger o povo Amazigh, e, portanto, tínhamos que procurar outro caminho. Escolhemos o caminho das Nações Unidas e da incidência política a nível internacional.

Passamos então a funcionar como uma rede Amazigh a partir do grupo do Facebook, onde havia pessoas com cargos associativos com quem organizávamos conferências, reuniões e ações em parceria; mas também militantes da base que não fazem parte de quadros institucionais, mas desejam defender sua identidade e seus direitos como puderem.

Quais são as principais áreas de atuação da organização?

As principais áreas de atuação da Azul concentram-se no trabalho de reflexão realizado pelo grupo e das prioridades que surgiram a partir dele.

Existem eixos principais, como o direito de acesso à terra e aos recursos naturais, que são elementos essenciais para os Amazighs como povos originários. Mas há também eixos relacionados e igualmente importantes, como o enfrentamento à discriminação linguística à marginalização socioeconômica, à falta de acesso à saúde e à educação, a recusa de registros de nascimento com nomes Amazigh, o isolamento… Todas consequências de leis nacionais de inspiração colonialista e neocolonialista.

Os problemas que enfrentamos são cumulativos e interligados. Uma pessoa Amazigh cujas terras foram tomadas é uma pessoa desenraizada e uma vítima vulnerável da assimilação forçada.

É claro que sempre que falamos dos direitos do povo Amazigh falamos das mulheres, que estão no centro dos nossos direitos coletivos, e dos jovens, que são o nosso futuro. O fato é que as mulheres são as mais afetadas pelas consequências das políticas do passado e atuais e pela discriminação institucional, religiosa e socioeconômica.

Nossa rede cobre praticamente toda a região do Marrocos, mas entre nós também há pessoas Amazigh da Tunísia, Argélia, Líbia e da diáspora, bem como amigos estrangeiros que apoiam nossa causa.

Uma coisa muito importante para nós é continuar ouvindo as comunidades e garantir que nenhuma pessoa se sinta só ou isolada. O colonialismo sempre foi construído sobre o princípio de “dividir para governar” e devemos nos manter unidos em solidariedade entre nós e em torno da nossa causa.

Quando as comunidades estão isoladas e as informações não circulam, as pessoas podem ser desapropriadas em tempo recorde. Nosso papel na Azul é nos mantermos informados pelos membros da rede e processar as informações recebidas antes de publicá-las para mobilizar a opinião pública ou utilizá-las para a defesa de direitos.

Além de usar as redes sociais, que nos permitem nos comunicar e nos manter informados, por vezes viajamos e vamos a campo, pegamos a estrada, visitamos as comunidades. Enquanto isso, permanecemos vigilantes e preservamos nossa segurança, o que é uma responsabilidade enorme.

Quais os principais desafios enfrentados pela organização e como resistem e se organizam?

Assim como acontece com todos os povos originários do mundo, os desafios da Azul e dos Amazigh são múltiplos. Simplesmente porque quando falamos de terra falamos de empoderamento, de direitos socioeconômicos, de preservação do conhecimento, das tradições, dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), das mudanças climáticas, dos ecossistemas, da biodiversidade, dos deslocamentos forçados e da imigração.

Para entender os desafios é preciso ter uma visão global e multidimensional. Quando falamos da perda do direito à terra e aos territórios isso implica inexoravelmente a perda de formas de vida, cultura, língua e também da perda de identidade.

Sem o direito de administrar nossos recursos naturais não podemos ser economicamente autônomos, nem garantir a sustentabilidade desses recursos que estão ameaçados de desaparecimento.

Enfrentamos as mudanças climáticas e as consequências das atividades extrativistas e das políticas públicas agrícolas que consomem muita água. E, sobretudo, das leis colonialistas que nos desapossaram durante mais de um século e provocam danos ao funcionamento da sociedade Amazigh, que é tradicionalmente matriarcal.

Muitas coisas têm se perdido nas nossas tradições, como os saberes tradicionais e os sistemas de governança e de gestão do povo Amazigh. E entre as formas de resistência para enfrentar esses desafios, consideramos fundamental praticar a solidariedade, que é um dos nossos valores.

Através da Azul, organizamos operações e campanhas de solidariedade para apoiar comunidades em situações de dificuldade e também para reavivar conhecimentos ancestrais relacionados com o trabalho da lã e o “Tiwiza” (trabalho comunitário) no campo, ajudando os pequenos agricultores a preservar sementes endêmicas e a evitar transgênicos.

Outro grande desafio é a segurança das comunidades e a defesa das pessoas defensoras dos direitos humanos. Desde a pandemia vemos um retrocesso nos direitos humanos que pesa muito no nosso cotidiano.

Todos esses desafios não nos desanimam. Eles nos permitem ter ainda mais força para continuar lutando pelos nossos direitos e não deixar como legado aos nossos filhos os mesmos traumas que vivemos. Essa esperança de uma vida melhor para as gerações futuras nos mantém vivos e é nossa força motriz.

Graças à nossa incidência política internacional, mas também graças aos valores que a Azul e todos os seus membros (os Azuliens) transmitem, hoje temos muitos/as amigos/as de todo o mundo que são solidários conosco, valorizam o que fazemos, nos apoiam e respeitam nossa luta.

Essa solidariedade também nos faz bem e é muito importante para nós. Somos um povo pacifista e que se solidariza com todos os povos da Terra que vivenciam as mesmas coisas que nós. Nossas condições nos aproximam de outros povos originários em todo o mundo, com quem nos juntamos para lutar por direitos a nível global. Apesar das diferenças de línguas, regiões, religiões, cores, países etc., nossos problemas como povos originários são semelhantes.

O último desafio está ligado ao contexto pós-pandemia de Covid, quando vimos o retrocesso dos direitos dos povos originários, mas também de todos os direitos humanos e comunitários. Uma crise combinada com a crise econômica enfrentada pelas famílias. Isso fatalmente leva muitas pessoas a se tornarem cada vez mais discretas e tentarem não serem notadas. As pessoas temem pela sua segurança e nós compreendemos isso muito bem.

Para enfrentar todos esses desafios, trabalhamos muito o trabalho em rede. Hoje temos fortes alianças internacionais e boas relações com outras organizações. Também colocamos o nosso conhecimento e experiência à disposição de outras organizações, e de pesquisadores/as universitários que estudam temas que nos dizem respeito.

Por exemplo, trabalhamos em parceria com a plataforma Traab, liderada pela doutora em sociologia Soraya El Kahlaoui, que realiza um trabalho importante sobre questões ligadas à terra. Nesse projeto, que consiste em um aplicativo para mapeamento de casos de desapropriação, são coletadas informações sobre conflitos por terras para identificar as comunidades afetadas, mapear o problema de forma abrangente e amplificar as vozes das comunidades desalojadas. Assim, abordamos o problema da falta de dados sobre o assunto e permitimos que as mulheres, em particular, tenham suas reivindicações ouvidas.

Também contribuímos com informações para relatores especiais e relatórios nacionais e internacionais, como a Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas, com contribuições sobre os direitos dos Amazigh.

Esses relatórios são uma excelente alternativa para a falta de recursos financeiros e permitem-nos manter-nos conectados/as, ativos/as e proativos/as, evitando despesas e evitando colocar em risco as pessoas defensoras de direitos. Não esqueçamos que nossa irmã Kamira Nait Sid ainda está presa na Argélia por defender a causa Amazigh.

Para evitar esse tipo de incriminação abusiva, nos referimos à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que até hoje é o único texto jurídico global que defende os nossos direitos, além da Convenção 169 da OIT e a Resolução 39 da CEDAW para as mulheres e meninas indígenas.

Como a FLP contribui para esse trabalho?

Claro que assim como existem desafios, sempre há oportunidades, como a de fazer parte de redes e plataformas internacionais que nos dão visibilidade e nos permitem conhecer outras organizações que vivenciam os mesmos problemas e com quem trocamos conhecimentos, experiências e boas práticas.

A Azul se uniu à sua primeira rede internacional, a International Land Coalition (ILC), em 2018. Ao me tornar membro do conselho global, conheci Patrícia Chaves, do Espaço Feminista (Brasil). Isso nos permitiu debater a questão do gênero e dos direitos das mulheres à terra e aos territórios.

Refletimos muito a partir da nossa perspectiva de mulheres que trabalham com comunidades e que conhecem essa realidade no dia a dia, e sobre como dar soluções concretas para quem vivencia as mesmas coisas que nós.

Foi assim que a Feminist Land Platform (Plataforma Feminista pela Terra e Territórios) nasceu, para se tornar um espaço que respeita essa abordagem a partir das comunidades, que raramente é respeitada no mundo. Geralmente as decisões não são tomadas a nível comunitário, e sim ditadas por organizações muito grandes ou a nível global, o que distorce a lógica, e queríamos que isso mudasse.

Hoje a FLP é uma concretização dessa nova forma de ver o problema das mulheres no contexto da justiça de gênero e do direito à terra para melhorar as condições socioeconômicas das mulheres: é uma reivindicação política para, por e com as mulheres.

A Plataforma também nos deu um espaço para valorizar nossa experiência. A Azul está mais focada no trabalho de incidência a nível internacional, já que as leis nacionais não nos protegem. Desde 2016, adquirimos e desenvolvemos um conjunto de mecanismos e conhecimentos em matéria de leis, direito internacional, meios de proteção e defesa dos direitos à terra, aos territórios e aos recursos naturais dos povos e das mulheres indígenas num contexto de imigração e alterações climáticas.

Colocamos essa expertise ao alcance e serviço de nossas irmãs da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios e ao mesmo tempo aprendemos muito com elas, porque cada organização tem uma área de atuação. Nossa riqueza vem das nossas diversidades, que são repletas das semelhanças entre as questões enfrentadas pelos povos originários.

A Azul tem orgulho de ser membro fundadora da FLP, de partilhar sua visão e de trabalhar pelos seus objetivos de justiça e equidade nos direitos em geral e nos direitos à terra e aos territórios em particular. A terra e a mulher são muito importantes na cultura Amazigh; aliás, a mesma palavra, Tamazighte, significa terra, língua e mulher. Isso prova que temos na nossa cultura todo o espírito da FLP e isso é simplesmente extraordinário para nós.

As boas práticas de resiliência da UBINIG (Bangladesh)

Práticas agroecológicas Nayakrishi e preservação da riqueza de sementes” é uma prática inspiradora desenvolvida em Bangladesh pela UBINIG (Policy Research for Development Alternative), um dos membros da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP).

A UBINIG dirige o Nayakrishi Andolon, um novo movimento agrícola que pratica uma agricultura baseada em biodiversidade e tem como membros mais de 300.000 famílias de agricultora e agricultores em todo o Bangladesh.

A organização trabalha junto às bases, ajudando com os desafios que a população enfrenta para a subsistência e existência comunitária numa economia cada vez mais globalizada e intensamente competitiva, e também a nível de políticas públicas, defendendo soluções melhores para desafios que afetam a vida da maioria, especialmente das pessoas marginalizadas.

Nós da FLP mapeamos algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre esta que é uma das práticas inspiradoras desenvolvidas em Bangladesh pela UBINIG.

Este texto faz parte de uma série de artigos que detalham as melhores práticas de cada organização da FLP. Veja os outros no nosso blog!

Práticas agroecológicas Nayakrishi e preservação da riqueza de sementes

Este artigo baseia-se em práticas que ocorrem em cinco distritos de Bangladesh: Tangail (zona de planície aluvial), Pabna, Natore & Kushtia (zonas propensas a secas) e Cox’sbazar (área costeira). As ações beneficiam mais de 80 mil pessoas que praticam agricultura, entre as quais 47 mil são mulheres.

Nayakrishi Andolon é um movimento de agricultoras e agricultores baseado na biodiversidade, criado em 1992 e liderado por mulheres. Sua prática segue 10 princípios, incluindo a não utilização de pesticidas e fertilizantes químicos e não extração de águas subterrâneas. Eles defendem a utilização de sementes de variedades locais e a coleta, regeneração e troca de sementes entre as agricultoras e os agricultores.

Até agora, o movimento coletou mais de 2.700 variedades de arroz e 1.000 variedades de outras culturas, incluindo vegetais, óleo, especiarias, frutas etc. Ele também guarda sementes para crises relacionadas às mudanças climáticas, como inundações, secas e ciclones.

As sementes são mantidas no Centro Comunitário de Riqueza de Sementes (CSW), criado em 1998 como um sistema institucional para a Rede de Sementes Nayakrishi (NSN). “Os principais CSWs estão localizados nos centros da UBINIG em Tangail e Pabna. Também existem Cabanas de Sementes ao nível das aldeias como parte da CSW. Os agricultores depositam e retiram sementes dos CSWs”, explica Farida Akhter, diretora executiva da UBINIG.

As comunidades envolvidas são majoritariamente constituídas por pequenas agricultoras e agricultores com menos de um hectare de terra cada. Através desta prática, eles e elas recebem formações regulares sobre preservação de sementes e métodos agroecológicos.

As pessoas que não possuem terras criam cabras e vacas e trabalham com as agricultoras e os agricultores. Eles compartilham o esterco de vaca e o leite com as famílias proprietárias de terras e recebem palha e outras forragens em troca.

Através deste projeto, as terras comuns são preservadas e mantidas livres de produtos químicos nocivos, e assim as mulheres pobres e sem terras podem ter acesso a plantas comestíveis.

As relações comunitárias também se baseiam na troca e partilha de sementes, o que ajuda a aumentar a diversidade das culturas. Em tempos de desastres naturais, as agricultoras e os agricultores partilham as sementes com quem perdeu suas colheitas e sementes.

A UBINIG desenvolve essa prática em parceria com o Departamento de Extensão Agrícola, os bancos genéticos do governo de Bangladesh e grupos de mulheres de todos os 64 distritos do país, que compõem a Rede Mulheres e Biodiversidade (Women and Biodiversity Network). Esses grupos trabalham com agricultoras e agricultores nas suas respectivas regiões e retiram dos CSWs as sementes de que necessitam.

Principais resultados e desafios

As agricultoras e os agricultores começaram com menos de um hectare, mas muitas pessoas conseguiram ampliar suas terras ao longo dos anos. Verificou-se também que muitas mulheres sentiram a necessidade de comprar terras em seu nome com o dinheiro economizado a partir da criação de vacas e cabras.

Um resultado importante dessas práticas agrícolas foi que muitas famílias chefiadas por mulheres (divorciadas e jovens viúvas) puderam comprar ou arrendar terras para cultivo e tornar-se autossuficientes em sua produção de alimentos, já que os métodos agroecológicos não requerem a compra de produtos químicos como fertilizantes e pesticidas.

“Mais agricultoras e agricultores estão aderindo a este movimento e as mulheres agricultoras têm realizado reuniões sobre sementes e compartilhado seus conhecimentos com diferentes grupos. Em fevereiro de 2024, elas receberam uma visita de agricultoras e agricultores do Sri Lanka e de Mianmar”, acrescenta Akhter.

Ela também salienta que as mulheres agricultoras Nayakrishi tornaram-se mais conscientes dos seus direitos à terra e têm discutido o assunto com mais frequência. “Elas também têm falado sobre os rios, que ajudam a cultivar variedades locais especiais. No entanto, com a poluição dos rios, tais possibilidades estão desaparecendo”, alerta.

Essa prática está ligada a um movimento mais amplo de soberania alimentar e de sementes, e Akhter ressalta que enfrentam muitos desafios devido ao uso ostensivo de sementes de laboratório, incluindo geneticamente modificadas, e ao fato de não haver apoio governamental aos pequenos agricultores e agricultoras.

“A Lei de Sementes do país é feita para as empresas de melhoramento de sementes; assim, os direitos das agricultoras e dos agricultores são violados. Isso faz com que o movimento seja significativo para as comunidades”, finaliza Akhter.

As boas práticas de resiliência da MUDECI (México)

Semeadoras de Esperança: Hortas urbanas para segurança alimentar e resiliência comunitária é uma das melhores práticas de resiliência desenvolvidas pela organização Mujeres, Democracia y Ciudadanía A.C. (MUDECI), uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP).

A MUDECI é uma associação civil sem fins lucrativos criada no México em 2013 por mulheres de base com ampla experiência em trabalho territorial e ativismo. Sua missão é garantir o reconhecimento público da liderança de grupos de mulheres organizados no território enquanto agentes de mudança, além de posicionar as organizações locais lideradas por mulheres como forças motrizes na definição da agenda pública e na responsabilização política.

Nós da FLP mapeamos algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre esta que é uma das práticas inspiradoras desenvolvidas no México pela MUDECI.

Este texto faz parte de uma série de artigos que detalham as melhores práticas de cada organização da FLP. Veja os outros no nosso blog!

Centro de formação em agricultura urbana

Ecatepec, localizado nos arredores da Cidade do México, é um município predominantemente urbano moldado pela migração interna no país. Nas décadas de 60 e 70, a cidade foi fortemente ocupada por populações rurais que procuravam melhores condições de vida. Como seus habitantes originais se dedicavam ao cultivo do arroz, mantém-se a tradição desse cultivo em quintais.

É lá que a MUDECI desenvolve, desde maio de 2022, um centro de formação em agricultura urbana com o objetivo de ensinar a população local a cultivar hortas em seus quintais para consumo próprio.

Essas hortas urbanas foram vistas pela MUDECI como uma oportunidade para reduzir a insegurança alimentar em que se encontravam muitas pessoas no município, especialmente as que perderam seus meios de subsistência durante a pandemia da COVID 19. Assim, elas podem ter acesso a alimentos orgânicos e também vender ou partilhar o excedente da sua produção com os vizinhos.

O desenvolvimento e a manutenção de hortas urbanas respondem a diversas necessidades contemporâneas, como fortalecimento comunitário, melhoria paisagística, habitabilidade urbana, lazer, educação ambiental, aproveitamento de águas pluviais e apropriação de espaços públicos.

Esse movimento também parte da compreensão de que o direito à terra é fundamental para preservar os diversos sistemas alimentares locais, onde o consumo é menos mercantilizado e os conhecimentos e práticas alimentares tradicionais são valorizados.

O projeto é o resultado da troca de experiências entre mulheres de base do México e da Nicarágua e outras mulheres de locais como Toluca, Tejupilco, Estado do México e Jojutla.

O poder transformador das hortas urbanas

“Nossa iniciativa contribuiu para fortalecer a agricultura urbana como alternativa viável para a produção de alimentos em pequenos espaços”, afirma Elsa María Arroyo Hernández, coordenadora geral da MUDECI.

A organização tem obtido um impacto positivo na comunidade através das suas diversas iniciativas, como o projeto de hortas urbanas, uma cozinha comunitária, a Horta Escola Paulo Freire e a comercialização de produtos locais.

Segundo Hernández, essas iniciativas contribuíram para melhorar a segurança alimentar, empoderar as mulheres, fortalecer a economia local e promover a agricultura urbana e a agroecologia. As mulheres assumiram papéis de liderança no planejamento e na implementação de iniciativas de resiliência climática.

As comunidades diversificaram suas plantações para reduzir a dependência de cultivos mais sensíveis ao clima. Práticas agroecológicas como a captação de águas pluviais, o uso de fertilizantes orgânicos e o plantio de culturas de cobertura foram implementadas para melhorar a saúde do solo e a resistência climática. Além disso, foram desenvolvidos sistemas de irrigação eficientes para otimizar a utilização da água e reduzir a vulnerabilidade à seca nos jardins hidropônicos e telhados verdes.

Hernández destaca que a participação das mulheres de base no planejamento, execução e avaliação dos projetos tem sido muito importante, pois elas contribuíram com conhecimentos ancestrais herdados de geração em geração.

«Esta era uma comunidade agrícola e há nela muito conhecimento sobre a terra, que foi enriquecido com as contribuições de uma engenheira agrônoma que nos apoiou. Também é importante a alegria com que são realizadas as atividades de preparo da terra, plantio e principalmente distribuição da colheita. Dessa forma, fortalece-se o trabalho comunitário em prol do bem comum”, acrescenta.

Alguns dos resultados obtidos até agora:

• 100 meninos e meninas, 120 mulheres e 12 homens receberam treinamento em práticas agroecológicas, cunicultura e criação de galinhas caipiras.

• O projeto foi selecionado pelo International Institute for Environment and Development (IIED) como estudo de caso.

• A organização duplicou a meta de servir 1.500 refeições de baixo custo na cozinha comunitária.

Como parceiros desta prática, a MUDECI conta com o Centro de Investigaciones Económicas, Sociales y Tecnológicas en Agronegocios y Agricultura Mundial (CIESTAAM) da Universidade Autônoma de Chapingo e com a Central Campesina Cardenista e a Rede de Mulheres Agricultoras, Produtoras e Artesãs do México.

As boas práticas de resiliência da Azul (Marrocos)

“Aplicativo para mapear casos de espoliação” é uma prática desenvolvida por Meriem Bentarjem e pela Dra. Soraya El Kahlaoui, cofundadora do projeto Traab, em parceria com a organização Azul (Marrocos), uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP).

A Azul trabalha para devolver aos Amazigh (povos indígenas do Marrocos e do Norte da África) o estatuto de cidadãos plenos, já que atualmente lhes falta poder de decisão e soberania sobre seus patrimônios materiais e imateriais.

A missão da organização é sensibilizar e mobilizar a população para melhor enfrentar os problemas relacionados com a terra, os recursos naturais, as desigualdades socioeconômicas, a destruição dos ecossistemas e as suas consequências para os indivíduos e as comunidades.

Nós da FLP mapeamos algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre esta que é uma das práticas inspiradoras desenvolvidas no Marrocos pela AZUL.

Este texto faz parte de uma série de artigos que detalham as melhores práticas de cada organização da FLP. Veja os outros no nosso blog!

Aplicativo para mapear casos de espoliação

Esta prática começou em abril de 2022 e está sendo desenvolvida em todo o território marroquino e em algumas regiões da Tunísia onde há problemas de espoliação e expropriações.

Ela beneficiará os povos Amazigh no Marrocos e todas as comunidades vítimas de expropriação de terras. As mulheres rurais, chamadas de Soulaliyates, representam uma parte considerável dos titulares de direitos de terras coletivas.

A região do Marrocos e do Norte de África foi colonizada majoritariamente pela França, que implementou leis que continuam sendo aplicadas pelos governos para desapropriar os povos indígenas das suas terras, territórios e recursos naturais.

Durante séculos, os Amazigh desenvolveram diversas práticas essencialmente relacionadas com a terra (agricultura), os territórios (pecuária e transumância) e os recursos naturais. Suas atividades dependem fundamentalmente das especificidades e disponibilidade de recursos e de um cuidado com a adaptação e proteção dos ecossistemas e da biodiversidade.

A localização espacial do povo Amazigh condiciona seu modo de vida e sua cultura e lhes confere sua identidade ancestral. Despojar as pessoas Amazigh das suas terras equivale a afastá-las do seu território e forçá-las a migrar para outros lugares. Tirar delas os direitos aos seus recursos os mantém na precariedade, sem melhores possibilidades. Isso as coloca em condições vulneráveis e os torna facilmente assimiláveis.

Comunidades indígenas nas zonas rurais são grandes alvos da privatização das suas terras e recursos. Além disso, as comunidades urbanas marginalizadas localizadas em bairros degradados e áreas periurbanas também estão sujeitas a procedimentos de despejo.

“A proliferação de atos fraudulentos e atividades ilegais é tão grande que a chamada ‘Máfia da Terra’ está presente de forma desenfreada em todas as regiões do Marrocos, com o objetivo de monopolizar as terras em detrimento dos seus legítimos proprietários. Essa pilhagem encontra terreno fértil na legislação, na impunidade, nos jogos de poder, na fragilidade das comunidades, na ineficiência dos tribunais, na conivência dos magistrados e nas políticas agrícolas. Isso significa que a lei e a justiça já não têm lugar, especialmente em questões de terra, seja para as comunidades, seja para as mulheres, o último elo de uma cadeia enfraquecida”, explica Amina Amharech, uma das fundadoras da Azul.

Segundo ela, a principal dificuldade hoje reside na ausência de um banco de dados que relacione todos os casos de desapropriação efetiva para estabelecer um mapeamento exaustivo da extensão do problema – o que motivou a criação do projeto que relatamos aqui.

Como funciona o projeto

O projeto tem o objetivo de reunir informações sobre conflitos de terras para identificar as comunidades afetadas, traçar um mapeamento abrangente da questão e ajudar a ampliar as vozes dessas comunidades.

Através da prática de “contra mapeamento”, pretende-se identificar os conflitos fundiários no Norte da África, e principalmente no Marrocos e na Tunísia, criando uma plataforma web de código aberto que combina mapeamento interativo e narração de histórias. O projeto também inclui o desenvolvimento de um aplicativo para oferecer uma ferramenta de coleta de dados de código aberto.

Ele possui dois componentes:

• Mapeamento de conflitos de terras: Espera-se que cerca de 50 comunidades se beneficiem com a visibilidade das suas reivindicações através da plataforma web.

• Aplicativo: Membros da rede comunitária Amazigh da Azul serão treinados para utilizar o aplicativo para obter dados sobre conflitos fundiários.

A organização ressalta que será dada especial atenção à questão das mulheres, que são o grupo social mais impactado em qualquer processo de discriminação e marginalização, e particularmente em termos de acesso à propriedade e à terra.

Mulheres raramente recebem compensação em caso de transferência de terras e muitas vezes ficam sem oferta de realojamento e são excluídas das negociações. O projeto garantirá que a questão da equidade de gênero esteja representada no mapeamento dos conflitos fundiários e se centrará numa abordagem de gênero para desenvolver alternativas.

Graças ao aplicativo, a uma base de dados confiável e a um mapeamento preciso, as vozes das mulheres terão seu alcance ampliado e o impacto da negação dos seus direitos será mais visível. Esse é um passo essencial para mudar as leis e apoiar de forma eficaz as reivindicações das mulheres a diferentes níveis, beneficiando também toda a rede da FLP.

Vale observar que os resultados desse projeto também irão fortalecer outras práticas da Azul, como a incidência internacional em defesa do reconhecimento dos direitos de Amazighs como povos indígenas e o apelo a uma revisão das leis fundiárias.

A oportunidade de desenvolver uma segunda fase do projeto permitirá à Azul capacitar comunidades para usarem o aplicativo de coleta de dados. Para isso serão organizadas oficinas de formação com diferentes comunidades, priorizando-se a formação de pesquisadoras mulheres.

Nesta iniciativa a Azul colabora com a Dra. Soraya El Kahlaoui (bolsista Marie Skłodowska-Curie), investigadora principal do projeto Traab, e seus parceiros no projeto, incluindo a Universidade de Ghent.

Para saber mais sobre os problemas enfrentados pelo povo Amazigh, leia este artigo de Amina Amharech no site da IWGIA (em inglês).

As boas práticas de resiliência do Espaço Feminista (Brasil)

“A regularização fundiária como garantia dos direitos das mulheres à terra e território” é uma das melhores práticas de resiliência desenvolvidas pela organização Espaço Feminista do Nordeste para a Democracia e Direitos Humanos (Brasil), uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra (FLP).

Fundado em 2008, o Espaço Feminista atua em áreas como:

  • Produção de conhecimento sobre a situação da mulher, realizando diversos estudos, pesquisas e publicações.
  • Processos de formação voltados para a valorização das mulheres como sujeitos autônomos (cidadãs), e que fomentam a participação delas em espaços de formulação e monitoramento de políticas públicas.
  • Articulação, incidência política e advocacy nacional e internacional

A FLP mapeou algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações-membro para que outras organizações possam aprender com elas e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Neste artigo falaremos sobre uma das práticas inspiradoras desenvolvidas no Brasil pelo Espaço Feminista (EF).

Este artigo faz parte de uma série de publicações que detalham as melhores práticas de cada organização que compõe a FLP. Confira nosso blog para ler os outros!

Regularização fundiária como garantia dos direitos das mulheres à terra e território

Essa prática é desenvolvida atualmente no município de Bonito, no estado de Pernambuco (Brasil), em 15 assentamentos informais que foram criados pela prefeitura, mas nunca regularizados.

Através desse trabalho, o Espaço Feminista pretende abordar a desigualdade de direitos à terra e à moradia para mulheres, famílias de baixa renda e mães solo. Para isso, a organização olha para os direitos à terra e à moradia a partir da perspectiva dos direitos fundiários das mulheres.

“Estamos analisando todas as consequências perversas que a falta de direitos à terra e à moradia causam na vida e nos meios de subsistência das mulheres, em termos de insegurança e violência”, explica Patrícia Chaves, diretora executiva do Espaço Feminista.

Trabalhando em parceria com a prefeitura do município de Bonito, o EF visa garantir a segurança fundiária de cerca de 5 mil famílias nos 15 assentamentos informais. Esse trabalho inclui cadastro socioeconômico de todas as famílias residentes nos assentamentos, levantamento topográfico com identificação de cada imóvel, levantamento da infraestrutura dos assentamentos e entrevistas individuais para coleta de dados e documentação.

O Espaço Feminista capacita a equipe técnica do programa “Minha Casa é Legal” da Prefeitura de Bonito sobre aspectos jurídicos, especialmente sobre como garantir que a prioridade seja dada às mulheres. Além disso, redige o projeto que posteriormente é enviado ao cartório. A ação conta ainda com uma equipe local que desenvolve oficinas de sensibilização com os moradores, tirando dúvidas e orientando-os para garantir a preferência no momento da titulação.

Até o momento, 4 das 15 áreas foram concluídas e os levantamentos estão sendo feitos em outras 5 áreas.

Essa prática revela-se eficaz para garantir autonomia, segurança fundiária e moradia às mulheres e às suas famílias, especialmente aquelas que sofrem de maior vulnerabilidade porque têm um conhecimento muito limitado sobre seus direitos ou mantêm relações informais com seus parceiros. Muitas são as segundas esposas e estão vulneráveis ao mercado informal de venda de lotes.

A ação também promove a autonomia e o empoderamento das mulheres em diversos níveis, tais como a autonomia ao decidir sobre sua moradia, garantia de segurança para as próximas gerações e o potencial de gerar autonomia financeira com a segurança da terra no nome delas.

“Esse documento é uma benção. Eu pensava que minha casa nunca ia ter documento. E hoje estou com ele na mão, graças a Deus!”, disse a beneficiária Maria Madalena da Silva no vídeo abaixo, feito pelo Espaço Feminista:

“Nosso trabalho é uma forma de superar as injustiças que as mulheres enfrentam devido à informalidade e suas consequências, como transações informais sem seu conhecimento ou consentimento. Além das questões de violência patrimonial embutidas em nossa cultura patriarcal e muito presentes na vida das mulheres de baixa renda que vivem em total informalidade”, acrescenta Patrícia Chaves.

Alguns dos resultados obtidos até agora:

  • Em 11 de março de 2021 foi cadastrada a primeira área com 479 propriedades (terreno e casa) e foram entregues certidões aos moradores, sendo 69% em nome de mulheres, seja em títulos individuais ou conjuntos.
  • No dia 11 de março de 2022 foi entregue a segunda área, dessa vez beneficiando 150 famílias. 50% foram para mulheres como cadastro individual e outros 35% eram títulos conjuntos (mulher e homem), mas destes, 69% tinham o nome da mulher como primeira titular.
  • A terceira área, chamada Frei Damião, foi concluída em novembro de 2022, beneficiando diretamente 741 famílias. Mais de 70% dos títulos de terra tinham mulheres como beneficiárias. Nesta área o número de mães solteiras era muito elevado, e o EF está desenvolvendo uma análise dos resultados e criando condições para fazer uma avaliação de impacto.
  • A quarta área, Ben-ti-vi, foi concluída. Os títulos de terras serão entregues a 280 famílias, a maioria mulheres.

A prática está estruturada, muito bem documentada e divulgada e oferece uma série de possibilidades de avaliação futura sobre o impacto direto na vida das mulheres e das suas famílias, especialmente mulheres que em muitos casos cuidam dos netos para permitir que suas filhas trabalhem.

Para mais informações sobre essa prática, assista ao vídeo no canal da Cadasta no YouTube:

Como parceiros desta prática, o Espaço Feminista conta com a Prefeitura Municipal de Bonito; Procurador Geral do Município de Bonito; Cartório de Registro de Imóveis de Bonito; e o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. O trabalho é apoiado pelo Fundo Filantrópico WellSpring, Landesa e Fundação Cadasta.

Para mais informações, leia também o artigo em inglês Transforming our cities by addressing gender deficit in land titles in Brazil, publicado por Patrícia Chaves no site Urbanet.

Tin Hinan participa do 1º Festival Feminista em Burkina Faso

Desde 2015, a Burkina Faso enfrenta a violência de grupos terroristas, que entre outros graves problemas causa muitos deslocamentos internos. As crianças e as mulheres são as populações mais afetadas, sofrendo inúmeras violações de direitos e violência sexual e de gênero.

A Resolução 1325 (2000) do Conselho de Segurança da ONU enfatiza a importância de atender às necessidades de mulheres e meninas vítimas de violência, garantindo a participação das mulheres nos processos de tomada de decisão, especialmente em áreas de risco ou afetadas por conflitos, além de se empoderar mulheres e meninas e promover igualdade de gênero para alcançar a paz duradoura. No entanto, isso não se verifica na prática na Burkina Faso.

Por isso, a Iniciativa Pananetugri para o Bem-estar da Mulher (IPBF), em colaboração com o Coletivo das Feministas da Burkina Faso, organizou em março deste ano a 1ª edição do Festival Feminista, com o tema “Feminismo, Paz e Segurança”. Lideranças de associações e pesquisadoras foram convidadas a falar sobre a situação do país.

Entre elas esteve presente Saoudata Aboubacrine, da associação Tin Hinan, membro da Plataforma Feminista pela Terra (FLP). Saoudata partilhou as suas experiências e fez um apelo aos tomadores de decisão, tanto a nível nacional quanto internacional, para que apliquem os textos que adotam, como a resolução da ONU citada acima.

Ela também se dirigiu a meninas e mulheres, exortando-as a continuar promovendo momentos de compartilhamento de experiências, trocas intergeracionais e discussões. “(…) Enquanto as mulheres não têm voz, nada pode mudar, e para ter voz, precisamos de movimentos ativos, que não sejam só nomes”, afirmou.

A participação de Saoudata nesse importante evento foi tema de um artigo publicado no site Féminin Actu. Leia o texto na íntegra (em francês) aqui.

As boas práticas de resiliência da Plataforma Feminista pela Terra

Há uma diversidade de práticas que mostram a riqueza do trabalho realizado pelas organizações que compõem a Plataforma Feminista pela Terra (Feminist Land Platform – FLP), uma rede de organizações que lutam pelos direitos das mulheres à terra e territórios no Sul Global.

Decidimos mapear essas práticas para ter uma visão mais ampla do trabalho feito em cada território e permitir que outras comunidades aprendam com essas experiências e adaptem ferramentas e estratégias às suas realidades locais.

As práticas de resiliência mapeadas focam em quatro áreas temáticas:

a) Direitos das mulheres às terras e territórios (ferramentas e processos bem-sucedidos);

b) Formação política para a liderança feminina;

c) Agroecologia e gestão florestal, fundiária e territorial;

d) Acesso seguro à água.

Abaixo você encontrará uma representação visual das áreas temáticas presentes no trabalho de cada organização, e em seguida mais informações sobre cada uma das áreas temáticas e uma lista de algumas das práticas adotadas por elas.

Áreas temáticas

Agroecologia

A agroecologia tem sido aplicada de diversas formas e tem se mostrado uma forte aliada na gestão de florestas, terras e territórios. Por exemplo, as práticas agroecológicas e a preservação da riqueza das sementes contribuem com a soberania sobre alimentos e sementes para as mulheres proprietárias de terras e sem-terra. Além disso, hortas urbanas para autoconsumo reduzem a insegurança alimentar em que as pessoas se encontram como resultado da perda de seus meios de subsistência. O desenvolvimento e manutenção de hortas urbanas responde a várias necessidades contemporâneas: fortalecimento comunitário, melhoria paisagística, habitabilidade urbana, lazer, educação ambiental, aproveitamento de águas pluviais, melhoria da economia e autonomia alimentar. Projetos de agroecologia são realizados por Fundación Plurales, Espaço Feminista, Luna Creciente, MUDECI, TIN HINAN e UBINIG.

Direito à terra e territórios

As mulheres lutam pelo acesso a seus direitos à terra e territórios usando uma variedade de estratégias, buscando garantir sua capacidade de continuar lutando e contribuindo para as comunidades onde escolheram viver. Essas ferramentas e processos bem-sucedidos envolvem o acesso a direitos legais e o desenvolvimento de políticas públicas sensíveis à cultura e ao gênero e consoantes com a relevância dos processos históricos de resistência. As iniciativas incluem o uso da tecnologia para coletar dados que comprovem há quanto tempo as mulheres ocupam suas terras e moradias e casos de desapropriação, além de compilar dados que contribuam para fortalecer a segurança e a autonomia das mulheres em seus territórios. Esta área temática foi implementada por cinco organizações da FLP na América Latina (Fundación Plurales, Espaço Feminista) e África (Fórum Mulher, AZUL e PWESCR).

Adaptação climática

A mudança climática tornou-se uma grande ameaça para a humanidade. Como resultado, desastres naturais, secas e escassez de recursos naturais tornaram-se comuns em todo o mundo. Embora tenha afetado todos os países, a mudança climática teve maior impacto sobre os mais pobres e vulneráveis. “As consequências da mudança climática incluem, entre outras, secas intensas, escassez de água, incêndios graves, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade” (Nações Unidas). Iniciativas focadas no acesso seguro à água para lidar com a mudança climática foram realizadas pela Fundación Plurales, Luna Creciente e TIN HINAN.

Incidência política

Se considerarmos que toda escolha é um ato político, a consciência política é uma ferramenta essencial para transformar o mundo. A formação política é uma das principais formas de promover discussões e entendimentos sobre as diferenças visando a equidade. Quando direcionada à a promoção da autonomia e empoderamento das mulheres em diferentes aspectos e níveis, torna-se um dos pilares dos processos de emancipação dos feminismos. A formação política para iniciativas de liderança feminina tem sido realizada por Fundación Plurales, Espaço Feminista, Luna Creciente, Fórum Mulher e PWESCR.

Governança

Esta área temática é muitas vezes derivada do treinamento político para mulheres líderes. Permite visibilidade e perspectiva política, desde os contextos gerais aos particulares nas comunidades. Visa ações para enfrentar as violações cometidas por atores que contribuem direta ou indiretamente para a crise climática e os danos aos territórios e corpos das mulheres. Assim, as estratégias mais eficazes para promover essa governança passam pelo desenvolvimento de agendas comuns de ação que influenciem diretamente a capacidade das mulheres para ocuparem cargos de poder. Isso permite que elas tomem decisões informadas que tenham impactos positivos em seu direito à terra e ao território, além de aumentar sua capacidade de lidar com as ameaças enfrentadas como resultado das mudanças climáticas. A participação política das mulheres – por meio da liderança que exercem em suas comunidades e na relação que estabelecem com o poder público – é fundamental para garantir a governança do território comunal. As organizações da FLP que trabalham nessa questão incluem Espaço Feminista, Luna Creciente, TIN HINAN e PWESCR.

Boas práticas de resiliência

País: Mali

Organização: TIN HINAN MALI

Responsável: Fadimata Walet ABDALAH.

Prática: Participação das mulheres de Banguikogho no manejo de sua área florestal.

País: Marrocos

Organização: AZUL

Responsável: Amina AMHARECH

Prática: Aplicativo para coletar casos de espoliação.

País: Tanzânia

Organização: Conselho Pastoral da Mulher Tanzânia

Responsável: Ruth Kihiu

Prática: Promovendo os direitos à terra das mulheres indígenas do norte da Tanzânia.

País: Argentina

Organização: Fundación Plurales

Responsável: Marta Esber

Práticas:

• Capacitação na Intersecção de Justiça Ambiental e Gênero

• Acesso a Água Segura

• Reflorestação e práticas produtivas com a alfarrobeira

• Programa Mulheres Defensoras Ambientais

País: Brasil

Organização: Espaço Feminista do Nordeste para Democracia e Direitos Humanos

Responsável: Anamaria Melo e Natali Lacerda

Práticas:

• Inclusão produtiva de base agroecológica – Fortalecimento da autonomia e identidade da mulher rural: agroecologia, soberania alimentar e rede de mulheres produtoras.

• Formação política feminista e antirracista – fortalecimento da identidade e autonomia das mulheres por meio de processos formativos e fortalecimento de redes.

• Regularização fundiária como garantia do direito das mulheres à terra – Fortalecimento da segurança e autonomia individual e coletiva das mulheres.

País: Equador

Organização: Movimiento Nacional de Mujeres Luna Creciente

Responsável: Clara Merino

Prática: Capacitação política para organizações de mulheres no Equador

País: México

Organização: Mujeres, Democracia y Ciudadanía A.C. (MUDECI)

Responsável: Elsa María Arroyo Hernández

Prática: Centro de Treinamento em Agricultura Urbana

País: Bangladesh

Organização: UBINIG

Responsável: Farida Akhter

Prática: práticas agroecológicas Nayakrishi e preservação da riqueza de sementes

As melhores práticas de resiliência de Luna Creciente (Equador)

“Formação política para organizações de mulheres no Equador” é uma das melhores práticas de resiliência desenvolvidas pela organização Movimento Nacional de Mulheres Luna Creciente, do Equador, uma das integrantes da Plataforma Feminista pela Terra e Territórios (FLP, da sigla em inglês).

O trabalho da Luna Creciente tem sido extremamente relevante ao capacitar mulheres líderes em conhecimentos políticos, mecanismos e ferramentas para conduzir processos que contribuam com o desenvolvimento local com base em sua própria cultura e objetivos.

“Luna Creciente reúne mais de 300 organizações de mulheres de setores populares, com grande diversidade de idade, nacionalidade e localização geográfica, abrangendo todas as regiões do Equador”, afirma Clara Merino, diretora executiva da organização.

A FLP mapeou algumas das melhores práticas de resiliência das nossas organizações membro para que outras organizações possam aprender com essas experiências e adaptar ferramentas e estratégias às suas realidades locais. Este artigo faz parte de uma série de textos que detalham as práticas de cada organização. Leia os outros aqui no nosso blog!

Capacitação política para organizações de mulheres no Equador

Agindo em prol da incidência política nos municípios, esta prática foi concebida por Luna Creciente para incluir atividades que estimulem o intercâmbio de conhecimentos, valores culturais e tradições entre os vários grupos de organizações de mulheres nela envolvidos.

Cerca de 4.500 mulheres de 322 comunidades em 6 províncias de diferentes partes do Equador (costa, serra e região amazônica) já foram beneficiárias desta prática, iniciada em junho de 2001.

As atividades realizadas pela Luna Creciente incluem:

● Escolas nacionais e locais de formação política e feminista, saúde integral, direitos da mulher e análise de conjuntura.

● Mapeamento abrangente de cada província e/ou comunidades lideradas por mulheres de base.

● Congressos Nacionais uma vez ao ano (quando tinham maiores recursos econômicos, eram realizados até 3 vezes ao ano e em diferentes províncias).

● Espaços para análise dos ODS, mudanças climáticas e conjuntura local, nacional e internacional.

● Pequenos empreendimentos econômicos e permutas.

● Defesa dos direitos das mulheres à terra junto com os homens, principalmente os jovens, já tendo formado três grupos de defesa da terra e apoio a organizações de mulheres.

Esta foi considerada uma boa prática que serve de inspiração para outras organizações membro da FLP e organizações de direitos das mulheres em geral porque permitiu o crescimento do movimento Luna Creciente e ajudou a capacitar as mulheres, aumentar o respeito por suas famílias e comunidades e promover uma maior conscientização sobre os direitos das mulheres e das comunidades empobrecidas.

A prática é desenvolvida fundamentalmente em comunidades indígenas (68% indígenas, 7% quilombolas e 25% mestiças) formadas por mulheres organizadas. A valorização e o respeito às diversas culturas e tradições e sua participação em um movimento nacional tem sido fundamental para o processo.

“A nossa Escola de Formação Política Feminista tem promovido, ao longo de todos estes anos, a confluência, compreensão e trabalho político organizado de mulheres de diferentes organizações que lutam por terras e territórios, contemplando também os nossos corpos como primeiro território”, explica Clara Merino.

Para o desenvolvimento das ações, Luna Creciente contou com a parceria da Coalizão Nacional de Mulheres do Equador e da Plataforma Plurinacional de Mulheres e Feministas, além do Movimento Indígena, Movimento de Trabalhadores, mídia alternativa e outras organizações feministas.

Entre os resultados do trabalho, Luna Creciente apontou a afirmação de propostas e exigibilidade de direitos aos governos locais e em articulação com outras organizações a alguns espaços do Governo, Assembleia Nacional e Estado.

Na atual situação política do Equador, se vive um aumento do extrativismo, das leis contra as mulheres e povos empobrecidos e de diversos tipos de violência. Por isso, ações como essas são de extrema importância na luta por uma sociedade justa e igualitária.

As melhores práticas de resiliência de Tin Hinan (Mali)

A Plataforma Feminista pela Terra mapeou algumas das melhores práticas de resiliência de nossas organizações membro para que outras comunidades e organizações possam aprender e adaptar as ferramentas e estratégias às suas realidades locais.

Este artigo faz parte de uma série de publicações que detalham as práticas de cada organização. Confira nosso blog para ler as outras!

Título da prática: Participação das mulheres de Banguikogho no manejo da sua área florestal.

As mulheres da comunidade Kel Tin Touhoun, de Banguikogho, iniciam a implementação do seu direito sobre a gestão do território e em particular da área florestal e dos direitos das mulheres em geral (propriedade intelectual e repartição de benefícios).

Localização: Banguikogho, que fica a 17 km do círculo de Gargando (capital da comuna) de Goundal, na região de Timbuktu. A tribo está localizada em um vale entre a pequena montanha turística Tin houn imalolnenene (as voltas brancas) e uma área florestal de Grewia tenax, Grewia.

Beneficiárias da prática: Estima-se em cerca de 1.000 pessoas, de acordo com a prefeitura de Gargandao e a administração local de Banguikogho. As mulheres representam 50% da população, ou seja, 500 pessoas, incluindo jovens. Elas são pastoras nômades, praticando horticultura comercial durante os períodos de inverno, coleta e caça tradicional.

Data de início: A comunidade começou a se organizar para sua sobrevivência e proteção dos ambientes onde vivem por volta de 1999.

Comunidades envolvidas: Toda a região de Timbuktu e em particular a área onde fica Banguikogho estão passando por secas recorrentes que destroem a biodiversidade, incluindo árvores, plantas e animais. Os pontos de água estão secando. A comunidade começou lutando pela água. Elas não tinham acesso à assistência humanitária de agências da ONU ou instituições governamentais. O apoio limitado fornecido pela Living Earth e Tin Hinan/FIMI não foi capaz de resolver esse problema definitivamente. Em 2011, um grupo de mulheres e jovens de Banguikogho foi formado para aprimorar seu papel na gestão do seu ambiente e espaço florestal. No início, as mulheres, apesar do papel tradicional que desempenhavam na proteção da biodiversidade e do meio ambiente, permaneceram invisíveis e sem voz.

Parceiros ou aliados para a iniciação e desenvolvimento da prática: Tin Hinan e Les Eaux et Forêts. O FIMI foi parceiro na implementação do projeto Conhecimentos Tradicionais.

Descrição da prática: Os principais aspectos a serem lembrados em relação às melhores práticas do local e das mulheres de Banguikogho estão focados na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, por meio do conhecimento tradicional das mulheres pastoris e da adaptação às mudanças climáticas.

Resultados:

  • Treinamento de 30 pessoas em Gargando/Banguikogho, (Timbuktu, Mali), sendo 15 adultos e 15 jovens, em técnicas de produção vegetal e manutenção de jardins botânicos;
  • Treinamento de 20 pessoas na técnica de colheita e processamento dos produtos de árvores frutíferas Tarakate e In-fine em Banguikogho.
  • Treinamento de 30 pessoas em marketing, incluindo embalagem, rotulagem e aprovação de produtos.
  • Participação na elaboração de um compêndio sobre conhecimentos tradicionais.
  • Participação no workshop nacional organizado em Timbuktu sobre processos internacionais para a implementação do acordo da Convenção sobre Diversidade Biológica, WIPO (um no Mali e outro na Burkina Faso). Vale ressaltar que esta foi a 1ª vez em que mulheres e jovens desta comunidade participaram num evento fora de Banguikogho.
  • Participação no workshop sub-regional de intercâmbio e formação que serviu simultaneamente para a revitalização da rede de mulheres indígenas da África Ocidental (OAFA).
  • As realizações do projeto foram capitalizadas por Banguikogho, porque as atividades iniciadas continuam a ser realizadas. Tin Hinan continua a colaborar com o local.
  • A visibilidade das ações aconteceu através de um vídeo e fotos. As mulheres de Banguikogho são beneficiárias do projeto “Pastoral das Mulheres do Sahel em Movimento”, implementado por Tin Hinan.
  • As mulheres de Banguikogho são, portanto, membros do Movimento Pastoral Feminino do Sahel.

Desafios: Superar a insegurança devido à presença de grupos fanáticos nas proximidades da comuna. As secas e o problema da água persistem.